Orixá come, tudo o que a boca come. Esse é o nome dado a essa série, vindo diretamente da boca de Thiago Hoshino, meu pai pequeno. Sim, a artista de hoje sou eu! Miriane Figueira: preta, indígena, periférica e de candomblé.

A série começou com uma inquietação que tive com o caso das Baianas de acarajé versus ‘‘bolinho de Jesus’’. Pra quem não lembra, houve uma disputa judicial na qual as baianas reivindicaram os elementos que cercam a comercialização do acarajé na Bahia. Esse prato típico do candomblé foi apropriado por evangélicos, desrespeitando todos os ritos na feitura do bolinho de feijão fradinho frito em dendê, além de não vestirem a baiana e ainda se negarem a dar o nome correto ao bolinho. Isso poderia ter causado a perda do título de Patrimônio Imaterial Brasileiro conferido às Baianas.

Por isso, criei a série Tudo o que a boca come, com 10 imagens de comidas afro-brasileiras, comercializadas e servidas também em rito. Em uma relação entre profano e sagrado (termo que não gosto de usar, mas que exemplifica bem o caso) e publicidade/comércio versus rito/sabedoria ancestral.

Vale uma lida, ainda, no texto lindo do Thiago Hoshino, presente dele para a série e que acompanha as imagens.

“Santo também come.
Exu é santo,
mas nem tanto.
De santo só leva o nome.
De tudo o que a boca come, come Exu.
Carne, azeite, farinha e ainda mais.
Uma vez, dizem os antigos,
até os próprios pais.
Tanto faz se cozido, se morno, se cru.
Enúgbárijo, a boca coletiva,
prova de cada axé um pouco:
sangue, suor, saliva.
Lágrima faz parte…
A vida da gente é dura.
Que eu aprendi, desde bem cedo,
preparo não falta de moléstia,
tem mais receita que cura.
Nem chegou o tempo do teu abc,
mas logo vou avisando:
cada prato tem sua bula,
seu fundamento, seu (en)canto,
lá do tempo dos tatara,
do negro malê, negro banto.
E santo quando trabalha, haja gula!
Saco vazio nenhum pára,
se cai, só mesmo alevanta
com reza, ewê e garrafada.
Reclamar, eu? De que adianta?
O pouco com Deus é muito,
o muito sem Deus é nada.
No fim sobra mesmo pra Akossi
no corpo de alguma vodunsi.
Tu conhece doburú?
Pipoca que não se come, se tira.
Quem diz que come, é mentira!
Outras coisas, sim, o povo serve:
carurú é de lei, manjar doce
– só conto porque tu é precoce –
aí é que a festa ferve!
Acarajé: hambúrguer de africano,
na mesa do pobre, só um pano
estirado sobre a dississa.
É tudo comida mestiça,
como mestiça foi tua avó.
Omolocum de feijão fradinho,
às vezes eu mesma cozinho,
faz um cheiro gostoso que só.
Mas se mata a fome, dá sede,
e a gente oferta, quando Ele pede,
uma talagada no ejó do padê.
Coitado de quem faça troça:
olha, o sistema aqui da roça
é de quase nenhum trelelê.
Eu pouca coisa sei por mim,
o mais que alembro foi assim,
no bater do pajubá, feito agora.
Quem bem ouve, menos chora.
Então, escuta essa velha egbômi,
menino: santo também come.”

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