Ao receber, como um presente do universo, o convite para participar do projeto “Desapropriam-me de mim”, me vi numa viagem introspectiva sobre a moda, suas vertentes e suas participações especiais.
A moda, durante muitos séculos, foi uma forma de identificação cultural, social e financeira. Acredito que ainda a utilizamos para caracterizar, afirmar e estereotipar uma ideia.
O projeto “Desapropriaram-me de mim” veio com um briefing amoroso. Toda vez que sua idealizadora falava, eu sentia em seu discurso vibrações de carinho e respeito.
Ele reúne diversas áreas que conversam muito bem: fotografia, linguagem, ativismo, negritude, discussão de gênero, política e, claro, moda.
No projeto, a moda se encaixa abraçando essas áreas, e não haveria forma melhor de expressar a imagem de tudo, se não por ela.
Como nos diz Barnard (2003):
“É por meio da roupa que uma pessoa tenciona comunicar suas mensagens a outra. A mensagem, assim, é uma intenção da pessoa e é isso que é transmitido pela roupa no processo de comunicação.”
No entanto, quando a gente relembra a história da escravidão negra mais recente, vemos a moda ser usada para reforçar exclusões sociais via estereótipos.
Por exemplo, no século XVIII: quanto maior o vestido maior o status. Mackenzie (2010) comenta que “na corte, a moda tendia à largura exagerada e à forma elíptica”. A moda definia a classe social e econômica.
Essa tendência, porém, era negada à baixa raia da sociedade, principalmente às escravas negras, via de regra, desumanizadas e retratadas nuas ou seminuas, como animais em exposição.
Essa dívida, afirmada por um uso da moda bem situado na história, veio como inspiração para o projeto, pois as escravas retratadas, além de não terem acesso às vestimentas que pudessem expressar sua identidade, não tinham poder sobre o próprio corpo.
Apenas atualmente estamos discutindo e redistribuindo o poder que uma vestimenta tem sobre a construção e a afirmação da identidade negra.
Para realçar a problematização que o projeto traz, a escolha dos tecidos e aviamentos foi pensada e detalhada de modo a retratar bem seu conceito: recosturar o passado, injetando humanidade a essas mulheres negras fotografadas como animais.
Para isso, foram utilizadas rendas, pérolas e estampas afro para fazer a junção entre o que é tido como rústico, de um lado, e o luxuoso, de outro.
O projeto em si é pensado de forma fragmentária, para que cada parte seja entendida detalhadamente. Desse modo, ele vai se costurando e se moldando a cada necessidade, formando uma coleção.
Cada detalhe imagético tem, assim, o seu próprio fundamento, o que dá abertura interpretativa ao produto final que será gerado pelo “Desapropriam-me de mim”.
O uso da moda reforça esse projeto plástico, comunicando e informando. Mas, não apenas. Seu uso também serve para conscientizar a todos sobre o poder e a força da mulher negra. Indo além: expressa o direito da mulher, o direito de poder ser dona de si, do seu corpo, da sua cor e do seu amor próprio.
Foi com extremo respeito que realizei essa coleção, a qual me fez retreinar o meu olhar e que me trouxe uma inquietude interessante.
Espero que esse projeto agregue a vocês como agregou a mim. <3
Igor Pedrosa, designer e ilustrador. Trabalha com projetos especiais ligados à moda, arte e cultura. Canceriano apaixonado, livre por natureza, noturno por genética e apaixonado por gentileza.
Referências bibliográficas:
BARNARD, Malcolm. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003
MACKENZIE, Mairi. Ismos para entender a moda. São Paulo: Globo, 2010.
Boa tarde
Admirei muito este blog.
Abraços!
Cláudia Intelimax IQ
Obrigada, Cláudia.
Na página do facebook tem postagem todos os dias.
Vamos empretecer a rede. 🙂