“Quando tinha 3 anos de idade perguntei pra minha mãe: -Mãe, por que você é azul e eu, o papai e o César somos “amalelos”?
Alguns anos se passaram e eu continuei crendo que era “amarela”. Porém, certo dia me dei conta que meninas “amarelas” não tinham o cabelo crespo e “armado” como o meu, foi ai que percebi que não era tão amarela assim. Primeiro as princesas dos contos que lia, depois as meninas dos filmes, das novelas e das propagandas… Todas elas desfilavam com seus cabelos soltos, leves e macios e, como se não bastasse, na escola eram tidas como as mais bonitas da sala.
“Eu também quero ser bonita como elas!” pensava comigo mesma. Logo cheguei à conclusão que com o meu cabelo seria impossível, pois, ele dava “muito trabalho” para os meus pais e, além disso, a professora dizia que cabelo crespo devia ser preso porque se não, passava piolho para outras crianças; Por isso, minha mãe somente os soltava em datas especiais e, mesmo assim, diziam que ele estava um “fuá” e parecia uma “juba”.
Comecei então a odiar meu cabelo e sonhar com um cabelão macio e liso. Não demorou muito para pedir minha primeira química, o relaxamento. Este “tratamento” prometia “diminuir o volume” e “domar os cachos”. Ah, como fiquei feliz em ver que agora eles balançavam! Afinal, agora não precisaria soltá-los apenas em datas especiais. Mal sabia eu que esteva prestes a me tornar escrava de produtos químicos por dez anos.
Quando estava entrando na adolescência, comprava quase toda semana aquelas revistas de moda e beleza. E, mais uma uma vez, a referência de tudo que é bom, bonito e em voga; as dicas de cuidados com cabelo e penteados, sempre era o mesmo cabelão liso ou ondulado e muitas vezes, loiro. E eram penteados tão bonitos com modelos tão bonitas que mais uma vez pensava: “Eu também quero ser bonita como elas!”. Fui uma leitora assídua de revistas femininas para adolescentes e quase não me recordo de ter visto alguma modelo com o cabelo como o meu.
Quando descobri que fazendo escova meu cabelo ficava mais parecido com o daquelas meninas bonitas e dava para fazer os penteados da minha revista, abandonei o relaxamento e, de relaxamento passei para escova, de escova passei para chapinha e com esta última finalmente conheci a tão esperada “Escova Progressiva” que prometia madeixas “lindas e hidratadas” por até dois meses.
A escova progressiva foi minha melhor amiga por muito tempo. Quando minhas raízes voltavam a aparecer, tinha vergonha de sair de casa. Afinal, aquele cabelo encarapinhado que estava nascendo me condenaria e não me deixaria ser uma menina bonita e “amarela”. Por isso, de dois em dois meses minha mãe separava um bom dinheiro para poder fazer sua filha se sentir ‘mais bonita’. Passava horas inalando aquele cheiro insuportável de formol que fazia meus olhos arderem. Quando terminava, meu cabelo estava liso, mas ainda assim não era como o das meninas bonitas da revista, dava para perceber que eu alisava o cabelo e isso me frustava.
Voltei a ver minhas fotos de criança, e meu Deus, quanta diferença! Meu cabelo era volumoso e crespo sim, mas era MEU! Comecei então a imaginar como seria ter ele de volta, mas, daí a pouco pensava: “O que as pessoas vão pensar de mim? Será que não vão rir do meu cabelo? Será que não vão começar a me olhar com desdém por ter esse cabelo?”. Quando revelei esse desejo para minha mãe, ela relutou dizendo que nosso cabelo dá muito trabalho e que seria mais fácil continuar somente alisando.
Porém, para minha sorte foi ai que pessoas especiais entraram na minha vida, amigos e amigas que começaram a me incentivar a deixar meu cabelo natural de novo. Com a ajuda deles e de vários outros grupos e vídeos na internet, pude ver o quanto eu e minha mãe estávamos erradas sobre nosso cabelo e que na verdade, ruim e trabalhoso era o preconceito que muitas pessoas tinham para com os cabelos que remetiam as origens africanas.
Até o começo desse ano eu realmente acreditava que meu cabelo era “ruim”, não aceito mais isso. Passei por um sofrido período de transição onde pude ver crescer lentamente algo que nunca havia aprendido a dar valor. Minha mãe que estava com o cabelo detonado pelas fortes químicas que fazia, começou a ver como estava cuidando de minhas madeixas e como elas estavam ficando bonitas; Logo ela resolveu aderir ao período de transição também e, a cada dia que passa nos surpreendemos ainda mais com a beleza dos nossos cachos.
Em contrapartida, as princesas dos contos de fadas, as mocinhas dos filmes e das novelas e as modelos das revistas que lia continuam a desfilar com aquele mesmo cabelão macio e liso, mas e daí? Não quero mais “diminuir o volume” do meu cabelo e me nego a “domar meus cachos”. Hoje tenho 20 anos e aprendi uma lição que ficará comigo pelo resto da vida: “Black is beautiful”.
No fim, posso afirmar que tenho muito orgulho de saber que, apesar da minha cor parecer “amarelada”, sou filha da Maria Da Conceição Morais, uma mulher negra; e como dizem por ai: Filho de peixe, peixinho é.”
Novembro, 2013
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